Robirta da voz estonteante e a sua fã incondicional

Conheço uma ervilha. Chama-se Robirta. Robirta gosta muito de fazer gravações das suas composições musicais. Passa os dias a ouvi-las. Aliás, não ouve mais nada. Diz que não quer poluir a sua experiência auditiva com influências externas. Não quer perder o seu interior mais profundo.

Muita gente considera a sua voz fascinante. Outros tantos abominam-na. A sua voz é um divisor de multidões: ou se ama, ou se detesta. Há sempre, claro, os que não a conhecem e também os que, conhecendo, não têm uma opinião formada sobre o assunto. É gente estúpida.

Robirta decidiu partilhar com o mundo a sua música favorita, a que chamou Eu não quero ir para a sopa. Criou um ficheiro MP3 e pô-lo à disposição num torrent na internet. Decidiu chamar-lhe "Crazy_Aerosmith.mp3". Há quem diga que Robirta escolhe os nomes dos ficheiros a dedo só para ter muitos downloads -- ao fim de dois dias tinha tido cerca de 500 mil downloads o que é inédito para uma ervilha até então desconhecida -- mas isso é totalmente falso. Fá-lo porque é uma verdadeira crente no Princípio da Ordem Natural* e julga que para alguém encontrar a sua música na internet tem que ser por uma razão muito forte. Ora, com este nome, a probabilidade é mínima. Ninguém se iria lembrar de procurar o Eu não quero ir para a sopa de Robirta escrevendo "Crazy" e "Aerosmith" no campo de procura.



EU NÃO QUERO IR PARA A SOPA
Robirta

Os ventos sopram de feição
Rapam as vagens em segredo
Não quero ser a refeição
Morrem ervilhas só de medo

Eu não quero ir para a sopa
Eu não quero ir para a sopa

Pirotas é uma ervilha que não conheço. Nem ela me conhece a mim. Robirta também não conhece Pirotas, mas Pirotas é grande fã da produção artística de Robirta. É tão fã que conhece todas as manias e segredos de Robirta. Em particular, está a par do grande fetiche de Robirta. O de pôr sempre as suas produções artísticas em ficheiros com nomes que, à primeira vista, parecem de outros artistas. Pirotas passa então os seus dias a fazer downloads de ficheiros MP3 com nomes de artistas conhecidos. Chega a puxar mais de 200 músicas por dia. Passa dias e dias nisto, por vezes meses seguidos, até conseguir encontrar uma música que seja de Robirta. Mas, quando encontra, essa descoberta fascinante compensa por todos aqueles dias deitados ao lixo.

Rogilas é a primeira-ministra da República Inomesa. É tia de Baquicas. Convenceu o parlamento do seu país a passar uma lei que proíbe os downloads de músicas protegidas por direitos de autor. A pena por cometer este crime é pagar ao artista tudo aquilo que o artista quiser, quando ele quiser. Rogilas disse que esta lei se impunha porque estava preocupada com os problemas dos jovens artistas como um todo. Disse que nem sequer tinha conhecimento que Baquicas tinha enveredado por uma carreira musical. A outra sobrinha de Rogilas é dona de uma editora discográfica. Mas Rogilas afirma nem sequer conhecer essa sobrinha. Diz que a sobrinha é do lado do marido e que essa gente não é de boa rês.

Um dia Pirotas acordou sobressaltada às três da manhã com um estrondo na porta. Rebolou-se da cama e desceu as escadas. "Polícia!", alguém berrou. Pirotas abriu a porta e viu sete ervilhas da polícia especial armadas com lança-feijões. Teve medo. Muito medo. O chefe dos sete perguntou-lhe se morava lá uma ervilha chamada Pirotas. Pirotas disse que não. Eles pediram desculpa e foram-se embora. Pirotas sentiu remorsos. Mentir é feio. Chamou-os ao longe. Eles voltaram. Disse que era ela a Pirotas. Eles iniciaram os seus procedimentos de imobilização e levaram Pirotas com ela. Puseram-na numa cela.

Dois anos volvidos, Pirotas está ainda na prisão. O chão é de cimento. Dizem que cometeu um crime. Pirotas acha que o seu único crime foi amar a música de Robirta. Robirta teve tanto sucesso no mundo da música que foi apanhada com droga numa casa de banho. Foi detida. Ficou na cela mesmo ao lado de Pirotas. Agora todos os dias de manhã Robirta canta para Pirotas o Eu não quero ir para a sopa. Pirotas inventou até uma coreografia para a música. Foram muito felizes as duas, nessa altura. Pensaram até adoptar. Mas depois Robirta foi libertada.

* O Princípio da Ordem Natural (PON) é uma crença profunda de que acontecimentos muito improváveis que têm de facto lugar são especiais. Esses acontecimentos são designados por Coincidências Não Fortuitas. Algumas ervilhas levam este princípio mais longe e chegam mesmo a diminuir a probabilidade de acontecimentos desejados apenas para os tornar ainda mais especiais.

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