Ceroulas e o universo azul carmim

Conheço uma ervilha. Chama-se Ceroulas. Ceroulas detestava todas as linguagens usadas no dia-a-dia pelas ervilhas do mundo. Achava-as demasiado ambíguas e redundantes. Irritava-a também a sua natureza linear e unidimensional, o agrupar das palavras em frases, das frases em parágrafos. Não era dada liberdade a quem escrevia e a expressividade era sempre demasiado limitada.

Ceroulas acreditava que era possível definir de raíz uma linguagem perfeita que fosse suficientemente expressiva para permitir descrever todos os conceitos existentes e imaginários do mundo e ao mesmo tempo fosse cristalinamente objectiva. Ceroulas pouco se importava se essa linguagem poderia algum dia ser utilizada na realidade ou mesmo se alguém lhe pegaria. A mera idealização desta linguagem como conceito abstracto num universo de conceitos fora do universo físico material, fazia-lhe arrepios por toda a espinha. Ou pelo menos faria, se ela tivesse espinha.

Ceroulas tinha muita dificuldade em acreditar sem reservas na maior parte das coisas que as outras ervilhas tomavam como certo e garantido. Porém, ela não punha em questão a existência deste tipo de ideias e definições abstractas. Existisse ou não universo, fosse ela ou não um cérebro num boião controlado por um super computador, essas ideias abstractas existiriam sempre. Ceroulas imaginava-as a viver num universo à parte formado só por conceitos. Chegava a ter visões desse universo. Via-o azul carmim. Gostava muito de azul carmim. Fazia-lhe lembrar albatrozes.

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